de Augusto Gotardelo
Gosto muito de orar ao meio-dia,
de erguer as mãos carentes para o céu,
como os ponteiros retos do relógio,
como se unidos em secreta prece.
O sol a pino, as pontas para cima,
e minhas mãos voltadas para o Alto,
tudo à espera da força que as revigoram.
Depois dos dois se afastam pouco a pouco,
e o mesmo fazem as minhas mãos cansadas.
Tudo volta às labutas costumadas,
para a arena dos prêmios cotidianos.
Transcorridas as vinte e quatro horas,
o mesmo encontro ali, a mesma pausa,
à procura das bênçãos do Infinito.
Os ponteiros não têm aquele encontro,
detêm-se noutro ponto da jornada,
se alguém esquece a corda do relógio…
As mãos que se aproximam para orar
podem ficar no meio do caminho
se lhes falta também outra energia,
aquela que promana das Alturas.
Que juízo se faz de dois ponteiros
parados na amplidão de um mostrador
semelhante a um deserto silencioso?
Que se dirá de minhas mãos caídas,
desunidas, em busca doutros rumos,
num painel sem mensagem nem sentido?
Antes que parem sobre um peito frio,
que juntas as mãos no sol, no zênite,
como ponteiros de um relógio antigo…
e assim ativas, vigilantes, úteis,
serão ponteiros a marcar as horas
de gratidão e paz, de culto ao Pai,
no mostrador de minha fé tão simples…